Passado o período eleitoral, inúmeras dúvidas ecoam sobre os rumos a serem trilhados pelo próximo governo. Uma das principais gira em torno da arrecadação de receitas tributárias (em função do cenário de déficit fiscal) e da necessidade de reforma do sistema atual, considerado extremamente complexo e repleto de distorções.

Diversas propostas foram discutidas nos últimos anos, mas três vertentes acabaram ganhando destaque político recentemente: (i) reformulação da tributação sobre o consumo, com a substituição de diversos tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um imposto sobre bens e serviços (do tipo IVA – Imposto sobre o Valor Agregado); (ii) reestruturação da tributação sobre a renda, com a ampliação da faixa de isenção das pessoas físicas, a alteração das alíquotas vigentes e a cobrança sobre dividendos; (iii) criação de um imposto único sobre movimentações financeiras, no lugar de tributos federais.

A iniciativa de substituição do intrincado arranjo do PIS, da Cofins, do IPI (no âmbito federal), do ICMS (no plano estadual) e do ISS (na esfera municipal), por um imposto sobre bens e serviços, cuja receita seria compartilhada entre a União, os Estados e os Municípios[1], tende a enfrentar resistências políticas dos entes subnacionais, além de suscitar controvérsias quanto à constitucionalidade da extinção de competências tributárias dos Estados e dos Municípios. Questiona-se, ademais, a compatibilidade do modelo de tributação sobre o valor agregado (IVA) com as realidade da economia digital, cada vez mais dinâmica e pautada em intangíveis.

Ainda que se opte por deixar de lado modificações estruturais que afetem o ICMS e o ISS, revela-se imprescindível ao menos a simplificação do desenho normativo tributário federal, de maneira a reduzir as distorções e os litígios resultantes do atual modelo do PIS e da Cofins. Trata-se de pauta mínima a ser enfrentada o quanto antes. Todavia, entre uma reforma mitigada (apenas no âmbito dos tributos federais), que exigirá futuros ajustes, e uma reformulação ampla, que efetivamente ataque os principais problemas do sistema tributário brasileiro como um todo, parece mais desejável a segunda opção. A questão que se coloca é se ela será politicamente viável.

De fato, um dos grandes entraves para a reforma do sistema tributário é a composição de interesses dos que tendem a perder receitas em função das alterações propostas. Sair do papel é o maior desafio de qualquer reforma tributária. Para tanto, há que se buscar consenso a partir de múltiplas racionalidades.

Seguindo a tônica reformista, também tem sido discutida a reestruturação da tributação sobre a renda. Com a redução da carga tributária sobre as empresas (corporate tax), promovida nos Estados Unidos da América por meio do “Tax Cuts and Jobs Act[2] do governo Donald Trump, aumenta a pressão competitiva internacional sobre outros países, inclusive o Brasil. Cogita-se, de um lado, diminuir as alíquotas para as empresas e, de outro, retomar a cobrança do imposto de renda sobre dividendos distribuídos[3]. Em paralelo, haveria um aumento da faixa de rendimentos isentos das pessoas físicas. Tendo em vista os impactos financeiros das medidas e a regra do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a exigir que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita seja acompanhada de medidas de compensação, será necessário detalhar as fontes de recursos para fazer frente a tais propostas.

Discute-se, ainda, a criação de um imposto único sobre movimentações financeiras[4]. Uma das possíveis vantagens levantadas seria a facilidade de cobrança e fiscalização, a inibir a sonegação fiscal, gerando maior eficiência arrecadatória. A ideia, contudo, enfrenta críticas, sobretudo no que diz respeito ao seu caráter regressivo e aos impactos que tenderia a gerar no sistema financeiro nacional.

Além de transformações no sistema tributário, projetam-se novas estratégias de cobrança de débitos nas esferas judicial e extrajudicial. Nesse sentido, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tem atuado para implementar um conjunto de medidas focadas no combate à sonegação fiscal e na busca de maior eficiência na recuperação de créditos, com a utilização de soluções tecnológicas em análises de dados (data analytics) e investigações patrimoniais.

Em meio a incertezas sobre o futuro, no âmbito tributário novos ventos ecoam uma antiga canção da música popular brasileira: “sei que nada será como está, amanhã ou depois de amanhã”[5].

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[1] Cf. APPY, Bernard. et al. Tributação no Brasil: o que está errado e como consertar? Disponível a partir de: <http://www.ccif.com.br>.

[2] Disponível em: <https://www.congress.gov/bill/115th-congress/house-bill/1/text>.

[3] O art. 10 da Lei n. 9.249/95 estabeleceu regra de isenção para os lucros ou dividendos distribuídos, no escopo de atrair investimentos à época: “Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.”

[4] Cf. CINTRA, Marcos. A verdade sobre o imposto único. São Paulo: LCTE, 2003.

[5] Trecho de “Nada será como antes”, de Elis Regina.