Câmara dos Deputados aprovou às 22h53 desta quarta-feira (29) o texto-base da Medida Provisória 795, que concede isenções tributárias para a indústria do petróleo que podem ultrapassar R$ 1 trilhão em 25 anos.

A votação ocorreu numa sessão tumultuada, que se arrastou desde o final da tarde e teve bate-boca entre deputados e até xingamentos à consultoria legislativa da Casa.

Um acordo entre os líderes da oposição e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), permitiu que os destaques ao texto fossem votados para a semana que vem. Isso acabou com a obstrução dos oposicionistas, que apresentaram vários requerimentos para que a votação fosse suspensa – e que Maia derrubou, um a um.

O placar final, 208 a 184, mostrou que o tema dividiu a base aliada do presidente Michel Temer (PMDB). PT, PSOL, PCdoB e Rede votaram em massa contra a MP. O PSDB, uma espécie de gato de Schrödinger da base temerista, que está e não está no governo ao mesmo tempo, liberou sua bancada, mas votou majoritariamente pela aprovação da 795. O PMDB teve seis defecções (15% dos deputados presente). O PR surpreendeu, com 41% de seus deputados votando contra o governo. Já o PV teve um voto a favor do subsídio às petroleiras, do deputado capixaba Evair Vieira de Melo. O PV é a legenda do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, que considera a MP um “retrocesso”.

A sessão foi precedida de um protesto de organizações da sociedade civil com parlamentares ambientalistas contra a MP do Trilhão. Durante ato, o cacique Kretã Kaingáng entregou a Rodrigo Maia uma carta assinada por mais de 120 organizações, alertando que a proposta legislativa expõe o “país a risco econômico e o mundo a risco climático inaceitáveis”. Risco econômico porque o Brasil ainda enfrenta crise fiscal e arrocho em áreas como saúde, educação e segurança. E climático porque somente o petróleo do pré-sal tem potencial de, se queimado, esgotar mais de 18% do orçamento de carbono de que a humanidade dispõe se quiser estabilizar o aquecimento global em 1,5 o C, como propõe o Acordo de Paris.

O deputado Nilto Tatto (PT-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, disse que a MP impedirá que o Brasil cumpra as metas com que se comprometeu no Acordo de Paris. “Esta postura de explorar o mais rápido possível o petróleo não condiz com a postura do Brasil nas negociações do clima.”

“Esta MP é a Black Friday do pré-sal”, comparou Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.

Ao receber a carta das mãos do líder indígena, o presidente da Câmara disse que botaria a 795 em votação ontem “de qualquer jeito”, e assim o fez.

A oposição iniciou, então, um processo de obstrução da matéria que se arrastou noite adentro. Deputados oposicionistas chamaram a MP de “crime de lesa-pátria” e acusaram Temer de “vender o país ao capital estrangeiro”. André Figueiredo (PDT-CE) chegou a propor uma mudança na grafia do nome do presidente para “MiShell” Temer – em alusão à denúncia publicada pelo jornal britânico The Guardian de que funcionários do governo britânico fizeram lobby no Ministério de Minas e Energia pela MP, que beneficia as petroleiras inglesas BP e Shell.

O governista Felipe Maia (DEM-RN) retrucou que as isenções fiscais ampliadas pela 795 já vêm sendo concedidas desde o governo Lula.

“LADRÕES”

A votação descambou para o bate-boca quando Glauber Braga (PSOL-RJ) pegou o microfone. “Peço que o que eu vou falar agora não seja retirado das notas taquigráficas”, iniciou. E prosseguiu: “Há dois tipos de pessoas que votarão a favor desta MP hoje; os desinformados e os ladrões”. Maia imediatamente mandou retirar a fala dos registros oficiais da Câmara.

O relator da MP, Júlio Lopes (PP-RJ), se irritou. Primeiro, chamou de “irresponsável” e “idiota” a análise técnica da MP feita pelo consultor legislativo da Câmara Paulo César de Lima. É no estudo de Lima que aparece a conta de que a renúncia fiscal dada pela 795 pode chegar a R$ 1 trilhão em 25 anos. “Levaria 54 anos para atingir esse montante, não 25.” Depois, chamou Glauber Braga de “desinformado” e mandou-o estudar.

“O sr. foi secretário do governo de Sérgio Cabral no Rio de Janeiro. Essa escola eu prefiro não frequentar”, treplicou Braga, em referência ao ex-governador preso por corrupção.

A MP terá seus destaques votados na semana que vem e seguirá para o Senado. Caso não complete sua tramitação até dia 15, o texto caduca e o governo precisará reeditá-lo no ano que vem.

Fonte: Terra