As perdas com sonegação de impostos sobre combustíveis chegam a R$ 5 bilhões por ano no Brasil. Valor correspondente ao necessário para duplicar 1.100 quilômetros de estradas ou pagar o salário anual de cem mil policiais. Uma das maiores dificuldades para combater as fraudes no segmento, segundo entidades que representam o setor, é a indústria de liminares, estratégia das distribuidoras fraudulentas para postergar o pagamento ou deixar de recolher impostos. Essa foi uma das principais preocupações levantadas no painel “Combustíveis: como a sonegação e a inadimplência se refletem na economia e na sociedade fluminense”.
Como o valor pago em tributos equivale a quatro vezes a margem bruta do setor (R$ 2,33 de cada litro de gasolina, por exemplo, é para pagar impostos), as empresas que trabalham na legalidade se dizem vítimas de uma prática predatória por parte dos sonegadores. No Estado do Rio, a perda com sonegação é estimada em R$ 400 milhões ao ano.
— Em todos os estados somos o setor que mais contribui com a arrecadação de ICMS, mas um setor extremamente vulnerável porque a relação de margem e tributo é muito atípica. Isso requer um nível de atenção quando se olha sob a ótica de concorrência, diferentemente de quando se olha em outro setor — analisa Helvio Rebeschini, diretor de Planejamento Estratégico e Mercado do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom).
Para se ter uma ideia do tamanho do problema no Estado do Rio, há, hoje, praticamente 94 mil processos em que se questiona o pagamento de ICMS tramitando em uma única vara, que tem somente dois juízes, ressaltou Rebeschini. Além disso, informa o diretor, R$ 50 bilhões foram inscritos na dívida ativa do país, nos últimos dez anos, referentes a pagamento de ICMS, e R$ 4 bilhões na dívida ativa do estado. No entanto, 60% desse valor nunca serão recuperados, porque são débitos de empresas que não existem mais.
— Temos enfrentado muitos pedidos de liminares de segurança para não pagar o tributo ou adiar seu pagamento e constantes mudanças de legislação. Um terço do etanol vendido no estado tem o ICMS questionado. Essas empresas usam o sistema judiciário, com direito ou não, mas no final, na maioria das vezes, o tributo não é pago. O Estado até ganha, mas o dinheiro não existe, pois a empresa já fechou — alerta o diretor do Sindicom. COMPETIÇÃO DESLEAL Ele sugere que a Justiça passe a reter em juízo, durante a tramitação do processo, os valores questionados, para que não sejam usados pelos sonegadores com o objetivo de levar vantagem sobre os adimplentes. Paulo Miranda Soares, presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), diz que o uso da Justiça para deixar de recolher tributos já virou um modelo de negócio:
— Eu não consigo competir com o vizinho que sonega impostos. Ele joga para baixo o preço do litro e passa a vender muito mais. Ele questiona se pode primeiro vender para depois pagar o tributo e não recolhe nunca. É um modelo de negócio. E a morosidade da Justiça é outro problema, porque se demorar dois ou três anos para cassar essa liminar, o cara já ficou rico e foi embora do país. IMPUNIDADE É MAIOR ESTÍMULO Para o procurador-chefe da dívida ativa do Estado do Rio, Marcus Vinícius Barbosa, a alta carga tributária que incide sobre o setor pode até motivar a sonegação, mas o real estímulo ao sonegador é a impunidade.
— O modelo atual de cobrança da dívida é ineficiente e hoje não existem instrumentos de combate criminal. O Brasil é um dos poucos países democráticos do mundo que têm um modelo judicial de cobrança. Nos demais, acontece pela via administrativa, porque é muito mais eficiente fazer a cobrança tão logo ela surja — analisa o procurador, lembrando que 40% do total de processos que tramitam no país são de execução fiscal.
Até sexta-feira passada, o Sonegômetro, ferramenta criada pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional para medir o tamanho do rombo causado pelo não recolhimento de impostos, acumulava perda de R$ 520 bilhões desde o dia 1° de janeiro deste ano, considerando todos os segmentos da economia, não apenas o de combustíveis.
Luiz Claudio Fernandes Lourenço Gomes, subsecretário-geral de Fazenda do Rio, disse que a pasta está envolvida em duas ações de combate à sonegação no estado: integração do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), que reúne os ministérios públicos e delegacias de polícia, além da Fazenda, e a realização de barreiras fiscais.
— No Cira, estamos promovendo uma maneira mais assertiva de ir atrás das empresas e coibir a prática. Também já apreendemos mais de quatro milhões de litros de combustíveis que estavam sendo transportados sem notas, em barreiras fiscais. Para mais de 60% desses produtos não aparece ninguém para fazer resgate, reforçando que os responsáveis trabalham na ilegalidade. É preciso atuar na fiscalização com os setores de inteligência — completou o subsecretário.
Fonte: O Globo